CARTA ABERTA

“Por que boicotamos o ENADE e por que não pararemos de lutar por avaliação radicalmente democrática da educação superior?”

Nós, estudantes do curso de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), organizadas e organizados no movimento estudantil através de nossa entidade de base, o Centro Acadêmico Livre de Psicologia (CALPSI-UFES), enviamos esta carta ao Ministério da Educação (MEC), à Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES), ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), à reitoria da UFES, à coordenação do curso de Psicologia da UFES,  comunidade acadêmica da UFES e à população brasileira no intuito de tratar sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) ocorrido em 2012 e demais assuntos relacionados à avaliação da educação superior brasileira. Entendemos que a qualidade da educação pública é interesse de todas e todos, no texto que se segue tomamos o compromisso de não apenas reivindicar nossos direitos, mas também reportar às pessoas como funcionam as políticas avaliação da educação superior brasileira hoje, e apresentar qual avaliação queremos construir.

A educação brasileira, em todos os seus níveis, inclusive no ensino superior de graduação, visa à manutenção da estrutura de desigualdade na sociedade, perpetuando os interesses das elites dominantes, assim como a exploração e opressão da maioria das pessoas: mantém-se uma educação elitista por parte dos governos e prefeituras que investem parcialmente na formação do sujeito, por muitas vezes priorizando as escolas de redutos prestigiados e relegando a precarização às escolas das periferias. A todo o momento, sucateiam o trabalho de professoras e professores, em um processo de humilhação, má remuneração, perseguição daquelas e daqueles que lutam por melhores condições de trabalho.

Cria-se escolas para ricos e escolas para pobres, ensinando, em umas, o necessário para o vestibular e a vida acadêmica, enquanto em outras ensinam o necessário para o mercado de trabalho e para a aceitação pouco crítica das ideias fúteis e dominadoras veiculadas pela grande mídia. É dada uma gama de condições para as escolas e as faculdades particulares se sobressaírem cada vez mais no sistema educacional, enquanto fazem números maquiados de aumento do nível de escolaridade e formação com o objetivo de alimentar as estatísticas e a imagem dos governos e de organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, sustentando o desonesto mito de desenvolvimento de nosso país.  Nessa lógica, investem em faculdades e escolas particulares, empurrando jovens para cursos de baixa qualidade, sem condições de se manter e sem garantias de que poderão gerir democraticamente seu próprio processo educacional. Não obstante, repassam insuficientes recursos para as instituições públicas, praticando, não raro, as expansões de mentira, mais uma vez pra falsear estatísticas de melhoria educacional, em que aumentam o número de vagas para estudantes sem aumentar nas devidas proporções a estrutura, o número de docentes e de servidores e os recursos de permanência estudantil, por exemplo.

Tomada essa conjuntura, os projetos e as medidas educacionais cumprem com seu propósito em formar um grupo seleto e restrito que perpetua a atual estrutura social de desigualdades, contando, para tal, com os cursos sucateados e com a formação da grande massa de mão de obra que dispõe do mínimo conhecimento técnico pra servir ao mercado de trabalho, mas desconhece a criticidade pra transformar a estrutura vigente. A educação que queremos, no entanto, caminha na direção oposta do denunciado acima, e visa à formação humana plena, emancipadora, oferecendo a todas e a todos o saber necessário para a gestão coletiva da sociedade e da vida, sem espaço para desigualdades e opressões. Nessa empreitada, entendemos que uma forma eficiente e democrática de avaliação da educação, especialmente no que tange ao ensino superior, é indispensável.

SOBRE O ENADE

O Exame Nacional de Avaliação do Desempenho dos Estudantes (ENADE), prova que faz parte do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES), instituído pelalei número 10.861, de 14 abril de 2004, não é a primeira forma de avaliação da educação superior existente no Brasil. Durante o período final da ditadura e durante a chamada abertura democrática, muito se discutiu acerca dos cursos de graduação e a possibilidade de aferência de estrutura e rendimentos. A essa altura, a Cordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) acabou por nortear a criação de um sistema pioneiro de avaliação das pós-graduações, que passou a ser um modelo muito elogiado, mas que detinha seu foco no produtivismo acadêmico, servindo como experiência para se iniciarem as discussões sobre a necessidade de criar ou não criar uma avaliação dos cursos de graduação. E se fossem criadas, seriam essas avaliações destinadas a aperfeiçoar a universidade já existente, ou a transformá-la em uma universidade diferente? Em universidades federais e estaduais do Brasil inteiro foram criados, gradualmente, sistemas de avaliação próprios, que serviram como embrião para as primeiras experiências nacionais de avaliação do ensino superior.

A primeira experiência minimamente nacionalizada de avaliação do ensino superior foi o Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (PAIUB), que começou a ser aplicado durante o governo Itamar Franco (PMDB), e se sustentava na autonomia das universidades para auto-avaliarem seus problemas e apontarem possíveis soluções. Suas três etapas eram: 1) Avaliação Interna, em que as diversas categorias componentes da comunidade universitária participavam da análise dos diversos âmbitos daquela instituição; 2) Avaliação Externa, na qual uma comissão convidada pela instituição faria visitas e análises dos relatórios da Avaliação Interna, e assim emitiriam um parecer dessa segunda etapa; 3) Reavaliação, etapa que sintetizava o que as duas etapas anteriores produziram e finalmente se encerrava em um relatório final e em um plano de desenvolvimento institucional.

O PAIUB foi substituído, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), pelo Exame Nacional de Cursos (ENC-Provão). Funcionou de 1996 a 2003, e consistia em uma prova com o objetivo de avaliar o ensino superior se sustentando, para tal, no desempenho dos estudantes de cada curso. O Provão foi rejeitado pelos movimentos sociais da educação. Estudantes, professores e servidores fizeram campanhas defendendo seu boicote durante todo esse período. O seu caráter de ranqueamento dos cursos e das instituições de ensino, nitidamente privatizante e mercadológico, sem autonomia para a avaliação de cada universidade, sem nenhuma perspectiva de identificar os problemas das mesmas e sem o investimento necessário para sua resolução, foram suas principais marcas e os principais motivos das lutas históricas por seu fim.

Foi com a chegada de Lula (PT) ao poder que se formulou um projeto de sistema de avaliação que superasse o caráter mercadológico do ENC-Provão e resgatasse de forma aprimorada o caráter de autonomia do PAIUB. Assim foi realizada a primeira proposta acerca do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior. A princípio, o SINAES não continha, entre as suas diversas metodologias de avaliação, nenhum exame voltado para o desempenho discente, e priorizava a avaliação de interesse popular defendida pelos movimentos sociais. No entanto, ao tramitar pelo congresso, o projeto de lei, que acabou por ser instituído em abril de 2004, sofreu alterações cruciais, que redefiniram os rumos deste sistema. A principal dessas alterações foi a inserção de uma prova de desempenho dos estudantes com peso de 60% do resultado do processo de avaliação proposto pelo SINAES: essa prova é o ENADE.

Se queremos uma avaliação legítima, precisamos considerar o papel que o ENADE cumpre nas diferentes modalidades de ensino superior. Nas universidades estaduais e municipais, a prova possui caráter facultativo, pois essas instituições são de responsabilidade direta dos governos estaduais ou prefeitura. Por outro lado, as instituições privadas, regulamentadas pelo MEC, têm profundo interesse na prova, pelo fato de que um resultado alto de seus alunos funciona como eficiente publicidade para seu negócio. Como o ENADE não diz onde falta estrutura, nem quais conteúdos os estudantes sentem falta na sua formação, nem quantos professores são necessários, ou quais livros a biblioteca precisa adquirir, ou se falta democracia para os estudantes, e apenas oferece uma nota entre um e cinco, todas as empresas que lucram com a educação almejam ter o conceito máximo, e para isso fazem de tudo. Não é incomum as instituições privadas oferecerem cursinhos pré-ENADE que falseiam o resultado da suposta avaliação, ou até prometer churrascos, tablet’s, carros e outros prêmios às turmas ou alunos que tiverem notas altas e ajudarem a faculdade na sua publicidade: para as faculdades particulares o ENADE é uma vitrine. Quanto às instituições federais, como a nossa, essas são obrigadas a fazer a prova, e muitas vezes as coordenações de curso induzem os estudantes a isso sem abrir nenhum espaço para se discutir se esse método de avaliação é eficiente. E quando os estudantes têm críticas a fazer, muitas vezes essas são abafadas, na ânsia de obedecer à cartilha do Ministério da Educação.

Ainda assim, os pesos são dois, assim como as medidas são duas: a mesma lei que, criando o SINAES, torna o ENADE obrigatório, também torna obrigatórias todas as outras instâncias do sistema, como, por exemplo, as Comissões Próprias de Avaliação (CPA’s). Essas comissões têm o objetivo de reunir representantes de diversas categorias da comunidade acadêmica para criar formas eficientes de auto-avaliação da universidade. Universidades como a UFES, apesar de fazer pressão para que nós, estudantes, façamos o ENADE, e investir verba na produção de panfletos e cartazes sobre o assunto, estão irregulares quanto à implantação desta comissão.

O ENADE é uma prova incapaz de avaliar a qualidade dos cursos apreendendo a riqueza das diversidades regionais e locais na formação superior. Parte do pressuposto de que todos os cursos terão um saldo final igual quanto aos conteúdos apreendidos pelos estudantes, em um total desconhecimento da realidade de cada profissão, de cada curso, a exemplo da psicologia, que não pode ser facilmente sistematizada em uma prova como o ENADE: além de regiões com ênfases em ramos diferentes de um grande e diverso campo de saber, em uma mesma região, diversos cursos costumam ter características muito próprias. A prova visa a uma homogeneização da formação superior, que tira essa riqueza oriunda da pluralidade e autonomia de cada instituição de ensino em produzir suas particularidades a partir de seus corpos docente e discente.

Ainda há outro grave problema no ENADE: seu caráter punitivo. Em primeiro lugar, o fato de o ENADE ser componente curricular obrigatório para estudantes convocados a fazer a prova, faz com que empecilhos medíocres sejam criados para quem não quer ou mesmo não pode fazer a prova. Aos estudantes irregulares com o ENADE, é reservada a retenção de seu diploma pela instituição. Corre, mesmo assim, o argumento de que a apreciação do ensino superior é importante, e que por tamanha importância não faz sentido dar ao estudante o direito de escolher se participa ou não da avaliação. No entanto, o período de graduação em qualquer curso é sempre atravessado por mensurações semestrais do desempenho estudantil, que não têm o mesmo prestígio e importância concedidos ao ENADE no processo de avaliação, justamente porque não cumprem o papel ranqueador que o ENADE cumpre, não servindo aos propósitos propagandísticos, por exemplo. A avaliação deve ser um direito da comunidade universitária para melhorar a qualidade da educação, e não uma tarefa compulsória, para atender às demandas burocráticas do Estado.

Vale também ressaltar que o MEC tem se utilizado da nota preambular do SINAES, o Conceito Preliminar de Curso (CPC), para aplicar Medidas Cautelares de suspensão de vestibulares para os cursos que, no intervalo de quatro anos, tiverem CPC baixo em duas avaliações seguidas. As ameaças de suspensão de vestibulares são fáceis medidas de falsa solução. Com essas medidas o MEC aparenta regulamentar, de alguma forma, os cursos que estão oferecendo formação de má qualidade, mas as empresas que têm determinados cursos punidos com a suspensão de vestibulares poderão abrir outros cursos sem maiores problemas, a fim substituir o lucro que seria perdido.

Para o ensino privado que transforma educação em negócio pouco importa qual profissional é formado. Importa de fato o lucro, e ao fim desse propósito, os principais prejudicados são os estudantes. Não há a pretensão do MEC em garantir uma educação realmente pública, tomada a constatação de que a lógica privatizante não é combatida e, na verdade, as Medidas Cautelares pretendem apenas remediar uma doença que o próprio MEC vem provocando com sua política educacional neoliberal. Em muitos cursos onde os estudantes boicotaram o ENADE como forma de demonstrar sua insatisfação com o modelo de avaliação trazido pelo SINAES, e os CPC’s foram baixos, os estudantes são colocados como os culpados por isso, como se não houvesse problemas na estrutura do curso, na formação dos professores, e nas condições do ensino e da sua gestão.

Há uma lógica perversa na concepção de educação promovida pelo governo federal. Ao invés de destinar mais recursos aos cursos e às instituições de ensino com maiores problemas, que carecem, portanto, de mais verbas, utilizam tais investimentos como prêmios para reforçar as instituições que atendem às demandas ministeriais, laureando assim os cursos com CPC mais alto. A forma como, diante dos resultados das avaliações do SINAES, os recursos para a educação superior são distribuídos, mostra um contrassenso que nós, do CALPSI-UFES, não podemos deixar de combater: não é essa a educação universitária que queremos para o nosso país.

O BOICOTE AO ENADE

Ao tratar sobre o boicote ao ENADE, podemos contribuir com duas experiências ocorridas em nosso curso, tendo ocorrido uma no ano de 2009 e outra no ano de 2012. No ano de 2009, não havia estudantes com opinião certa acerca do boicote ou não boicote. Havia apenas pessoas interessadas em debater o assunto, ao invés de fazer uma prova por inércia. Buscamos nos informar, por diversas fontes, sobre o que era o ENADE, como ele funcionava, porque havia gente que boicotava a prova, e também quais os argumentos contrários ao boicote. Esse processo fez com que surgissem grupos com diferentes concepções em relação à avaliação, tanto favoráveis quanto contrários à prova, culminando, nesse ano, com a decisão por não boicotar. Todo esse processo de 2009 serviu, dentre tantas coisas, para que descobríssemos o que é o SINAES, como funcionava na época o sistema de avaliação (que sofreu algumas mudanças daquele ano para os dias de hoje), e quais as outras formas de avaliação que estão para além do ENADE. É importante ressaltar aqui que decidimos pelo não-boicote não por concordarmos com a prova, mas sim porque a maioria do curso naquele momento concluiu que havia formas melhores de derrotar a prova do que através do boicote. Descobrimos naquele ano de 2009 que a legislação que instituía o SINAES previa em seu bojo a existência da Comissão Própria de Avaliação (CPA), para avaliação em nível de instituição de ensino, e também que resoluções internas da UFES previam a criação de Comissões Próprias de Avaliação de Curso (CPAC’s), que como o nome bem indica, servem para avaliação específica de cada curso. Logo foi iniciada uma campanha pelo funcionamento dessas comissões, que felizmente não ficou restrita ao Movimento Estudantil de Psicologia, mas foi encampada pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFES e por outros CA’s e DA’s de nossa universidade.

Em 2012, a campanha pelo boicote já partiu do princípio de que tínhamos críticas ao modelo avaliativo proposto pelo SINAES, e precisávamos, nesse momento, atualizar o debate, divulgá-lo no curso, e decidir se faríamos ou não o boicote na nova situação. No dia 25 de novembro, fomos o único curso de Psicologia de Vitória a boicotar o ENADE, nas duas escolas em que fomos distribuídos. Enquanto isso, as instituições privadas de ensino fizeram tendas na entrada dos locais de prova, incentivando seus estudantes a buscarem a melhor nota, distribuindo camisetas, alimentos e coisas afins. A alta adesão dos estudantes da UFES ao boicote mostrou o quanto repudiamos o atual modelo de avaliação do ensino superior, e também causou discussões riquíssimas no seio do curso de psicologia, que não teriam ocorrido se não tivéssemos boicotado.

O boicote não é, e nem pode ser, uma forma de luta que se encerra em si mesma. O seu principal motivo é o de deixar claro que há setores insatisfeitos com esse modelo de avaliação vigente, e quanto mais o boicote se alastra, mais claro isso fica, tanto para o INEP, quanto para o MEC e para as comunidades universitárias. O boicote também é uma forma de inviabilizar o uso do ENADE no processo avaliação, já que ele constrange que as outras formas de avaliar sejam colocadas em prática, o que não ocorre na maioria dos casos. Como já demonstramos no relato dos parágrafos anteriores, o boicote é uma estratégia para contagiar todo o corpo discente (e até mesmo o docente e o técnico-administrativo) de um curso e de uma universidade em torno do tema da avaliação, fazendo com que nos apropriemos do debate, conheçamos o atual funcionamento do SINAES, elaboremos formas alternativas de avaliação e cobremos que seja cumprido o que hoje a lei preconiza, mas é sumariamente ignorado.

VISITAS DO MEC E OUTRAS FORMAS DE AVALIAR

Gostaríamos de iniciar este tempo do texto falando sobre um considerável histórico de visitas do MEC ao nosso curso, mas infelizmente não será possível, tendo em vista que o curso recebeu apenas uma visita, no início dos anos 2000, quando sequer estudávamos nesta universidade, e até no ano de 2009, em que decidimos que não boicotaríamos a prova, mas certos que desejávamos a visita do MEC, a mesma não ocorreu.

Acabamos de viver, em 2011, a implantação de um novo currículo no curso, e temos diversas coisas a avaliar, tanto acerca do novo currículo, quanto acerca do processo de transição, que está gerando inúmeras questões para os alunos de ambas as versões curriculares. No entanto, ainda estamos carentes de estratégias avaliativas, buscando construí-las, lutando há quatro anos por sua implementação, nem que seja no mero e limitado âmbito que a lei exige, mas isso não ocorre.

Não seria obtuso ressaltar que a mesma legislação que institui o ENADE define o caráter de obrigatoriedade das CPA’s e da visita do MEC. No entanto, tal legislação cria condicionalidades para essas visitas, ligado-as a baixos CPC’s nas avaliações. Questionamos se realmente é uma estratégia interessante generalizar uma prova como o ENADE, e fazer uso restrito de políticas como a visita do MEC, ou fazer vista grossa à falta de cumprimento da instalação de CPA’s nas universidades. Entendemos que o MEC tem responsabilidade por conhecer a realidade dos cursos que autoriza a funcionar, e que essa visita in loco é uma forma interessante, como um dos elementos da avaliação do ensino superior.

Além disso, o fato de a CPA ser composta por representantes de diversos setores, tanto da comunidade universitária quanto da extra universitária, faz com que esta possa se tornar importante instrumento para a autoavaliação da universidade, e no caso da UFES, as CPAC’s também cumprem este papel na autoavaliação de cada curso.

Claro que tais comissões correm se tornar instâncias meramente formais, burocratizadas, e seus representantes podem ser cooptados por interesses privatizantes e precarizantes, ao invés de dar vazão às demandas dos setores que representam. Mas cabe que busquemos mobilizar tais setores a formular suas posições sobre o modo de avaliação, e sobre os conteúdos a ser avaliados, fazendo com que as comissões sejam pressionadas a praticar avaliações substantivas e efetivas. As próprias comissões podem ter papel importante em tal mobilização, mas é importante que tais setores também se associem para isso, seja através do movimento estudantil e dos sindicatos docentes e técnico-administrativos, seja através de grupos de oposição, quando tais sindicatos/entidades estudantis se recusam a cumprir tal papel.

No curso de psicologia da UFES, lutamos durante diversas gestões de coordenação do NPA, para que fosse efetivada, mas a desculpa para negar tal demanda estudantil era sempre a necessidade de implantar primeiro o currículo novo, e só depois criar a CPAC. Discordávamos desta opção, porque entendíamos que uma CPAC ativa seria inclusive um bom instrumento para avaliarmos mais de perto o currículo antigo, que ainda não deixou de existir, e o próprio processo de transição. Além disso, a CPAC visa a avaliar diversos âmbitos do curso, não apenas o currículo vigente, e a opção que nos foi IMPOSTA fez com que a transição de currículo amarrasse a avaliação de todas as demais questões, como estrutura física, quadro de professores e funcionários técnico-administrativos, material didático, acervo de biblioteca, oferta de atividades de extensão e pesquisa, relação com pós-graduações, etc.

Ainda assim, tivemos que aceitar tal imposição, mas lamentavelmente, com a implantação do currículo novo, a desculpa agora era de que havia muito trabalho em mediar a coexistência das duas grades, e que por isso não seria possível dedicar energia à implantação da mesma. Apenas em 2013, tivemos um aparente avanço na efetivação da CPAC, e ainda assim, repleta de problemas. A resolução interna da UFES que regulamenta o funcionamento da CPA e das CPAC’s, determina que a reitoria determina quem compõe a primeira, e a coordenação de cada curso, quem compõe a segunda. Levando isso ao pé da letra, o Centro Acadêmico que tanto lutou nos últimos anos para que a CPAC fosse efetivada, foi ignorado quando da implantação da mesma comissão. Não podemos deixar de repudiar tais práticas, e exigimos dos conselhos superiores da universidade que alterem a resolução 14/2004 do Conselho Universitário, dando às entidades representativas das categorias a autonomia para indicar seus representantes nas comissões, tanto na CPA quanto na CPAC.

Por fim, defendemos a importância das iniciativas próprias de avaliação por parte de cada uma das categorias, e também iniciativas conjuntas das categorias. Um exemplo de atividade avaliativa implementada pelo corpo docente de graduação do nosso curso, buscando suprir a carência de políticas efetivas e verdadeiramente democráticas de avaliação, foi o OCUPA CEMUNI, evento ocorrido entre os dias 29 de julho e 03 de agosto. Ocupamos o espaço físico do curso de psicologia, no prédio conhecido pelo nome de CEMUNI VI, e fizemos diversas atividades, contando com a participação de estudantes e trabalhadores do curso, visando entender os problemas por nós vividos e buscar coletivamente estratégias de superação. Iniciativas drásticas como esta talvez não fossem tão necessárias se tivéssemos visitas do MEC, CPA e CPAC ativas, e práticas cotidianas de autoavaliação do curso. Mas mesmo que isso tudo existisse, ações como o OCUPA CEMUNI cumprem o papel de fortalecer e complementar a tarefa dessas instâncias formais, afinal, a autoavaliação não pode ter a mesma cara em cada um dos cursos superiores do Brasil, e sim devem expressar cada realidade particular, através de uma diversidade de formas autônomas de gestão. Práticas tuteladoras como o ENADE vão na contramão deste modelo avaliativo que defendemos e que estamos construindo.

FINALIZAÇÕES

Concluiremos esta carta falando sobre as repercussões do resultado do ENADE 2012, onde o sucesso do boicote por parte do movimento estudantil de psicologia da UFES ficou evidente. Apesar disso, representantes da administração central da universidade insistem em ir à mídia, dizendo que as baixas notas da instituição foram graças a boicotes, e atribuindo o boicote à falta de interesse estudantil.

Muito pelo contrário! É o nosso profundo interesse acerca dos rumos que hoje toma a educação brasileira, que nos levam não apenas a boicotar a prova, mas também a trabalhar na direção de criar formas de avaliação sintonizadas com os novos rumos que buscamos. Apenas uma instituição pautada nos velhos modos de se fazer políticas públicas, que concentra na administração central os poderes decisórios e trata a comunidade universitária (e também a extra-universitária) como meros objetos de suas decisões, passivos e sem autonomia ou capacidade de formular projetos educacionais, daria declarações deste porte.

Por isso, através desta carta pretendemos informar para esta administração quais iniciativas têm acontecido dentro da nossa universidade, e que por desinteresse ou por incompetência, ela desconhece. Sabemos que o curso de psicologia não é o único onde há estudantes lutando por uma avaliação que contribua para a construção da educação pública, de qualidade, com financiamento adequado, sem custos para a população usuária, socialmente referenciada, e lutando contra modelos de avaliação privatizantes, ranqueadores, elitizantes e autoritários como o ENADE. Não nos retiraremos desta luta, continuaremos batalhando para a real existência da CPA e da CPAC de nosso curso, pela visita do MEC ao nosso curso, em diálogo direto com o CALPSI e com o conjunto de discentes do curso, mas também por espaço para as práticas oficiais e tácitas de avaliação dos cursos e da universidade, sem repressão, sem intimidações, sem desencorajamentos, e sem coerções a quem escolhe o caminho da luta por transformação e não o da aceitação passiva às leis que visam à manutenção desta sociedade desigual e opressora.

24 de outubro de 2013

Centro Acadêmico Livre de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo

CALPSI-UFES